sábado, 18 de julho de 2015

CLAN OF XYMOX




O Clan of Xymox é um grupo que pode resumir o que se convencionou chamar de música gótica. De alguma maneira, a banda traduz o que o gótico foi no passado e as transformações que sofreu com o tempo. É difícil definir o CoX de uma só forma, a banda teve muitas fases e várias transformações. Do pós punk ao electro gótico, do underground ao mainstream. Pioneiro da chamada darkwave, o grupo ganhou reconhecimento e esteve na vanguarda nos anos 80. Experimentou, ousou e se reinventou, mantendo-se em atividade durante todos os anos 90 e 2000. E essa história segue sendo contada...

O grupo (inicialmente chamado apenas de Xymox) foi formado em Nijmegen, na Holanda, no início dos anos 80. A formação inicial contava apenas com os amigos Ronny Moorings (voz e guitarra) e Anka Wolbert (baixo e teclados). Um pouco mais tarde, Pieter Nooten (teclados) - que já colaborava com a dupla - entrou oficialmente na banda. Inspirados pela new wave alemã, o pós punk britânico e o espírito "do it yourself" do punk, lançaram de forma independente o EP Subsequent Pleasures (1983). Com uma tiragem limitada de 500 cópias, o trabalho apresentava cinco faixas minimalistas e escuras. Atualmente esse EP é um item raro e considerado por muitos um clássico da chamada minimal wave. O disco foi relançado com faixas extras em 1994. Em 2014, ganhou um novo relançamento, dessa vez mantendo os padrões do original.



Vídeo Não-Oficial.
Call It Weird - a única faixa cantada por Anka no EP - resume bem o Xymox do início de carreira: um minimalismo hipnótico, psicodélico e escuro.
O grupo foi então "descoberto" e assinou contrato com a 4AD - a conceituada gravadora independente inglesa. Esse foi um período de intensa criatividade, a banda tocava com frequência nos clubes, abriu uma turnê do Dead Can Dance e tornou-se "cult" entre os alternativos da Europa. Na 4AD lançaram dois álbuns considerados essenciais para os amantes do gótico.

***

Na foto abaixo: Pieter, Anka e Ronny. Ao fundo está Frank Weyzig (guitarra), "quarto membro" extraoficial da banda durante os anos 80. É dele o solo em "Cry in the Wind" e "Louise". Ele também foi autor de uma música ("Move the Glass"), tocada em alguns shows mas nunca lançada. Após deixar o Xymox, ele formaria o Born for Bliss, grupo de rock gótico.


***


O álbum de estreia 
- "Clan of Xymox" (1985) - conseguia captar todas as vibrações góticas que estavam em voga naqueles anos. Dançante e introspectivo, apresenta o clima melancolicamente romântico característico do grupo. Contém pequenos hits que todo gótico que se preze já ouviu nas pistas, como "Stranger" e "A Day". A seleção ainda traz outras faixas marcantes, como a emocionante "Cry in the Wind" e a romântica "No Words". Mesmo Ronny se destacando como líder do grupo, Anka e Pieter também exerciam papel fundamental no processo criativo. Ambos assumem o vocal em duas faixas: "7th Time" (na voz de Anka) e "Equal Ways" (na voz de Pieter). Capa, conteúdo e formato, um álbum perfeito!



 O obrigatório segundo álbum - "Medusa" (1986) - mergulha mais fundo nas profundezas góticas. As faixas estão mais atmosféricas e sombrias. Contém os hinos góticos "Louise" e "Back Door", belos temas instrumentais, como "Theme II", além de outras preciosidades, como "Medusa", "Masquerade" (na voz de Anka) e "After the Call" (na voz de Pieter). Um trabalho que traduz a identidade do gótico dos anos 80. Esse disco, aliás, resume o que o gótico poderia ter sido: melancólico e sombrio, mas com autenticidade e elegância. Com o tempo, sabemos, o estilo caiu muitas vezes em clichês e pastiches.



Vídeoclipe clássico de Muscovite Musquito, música do primeiro EP regravada para a coletânea da 4AD "Lonely Is an Eyesore", de 1987.


Ronny, Pieter e Anka - O auge criativo do Clan of Xymox.


***


Após o Medusa, o grupo assinou com a gravadora Wing, um braço da gigante Polygram. O nome foi novamente encurtado para Xymox e eles lançaram o álbum mais bem sucedido comercialmente da carreira: "Twist of Shadows" (1989), que vendeu cerca de 300 mil cópias. Os singles "Obsession", "Blind Hearts" e "Imagination" fizeram a banda ser conhecida nos EUA e alcançaram as paradas da Billboard. O disco mudou o Xymox de patamar e pode ser considerado um divisor de águas na carreira da banda. No álbum ainda estão presentes elementos característicos do pós punk e do gótico, mas diluídos em uma atmosfera mais "pop". Além das faixas já citadas, destaco: "Evelyn", "Craving" e o escondido lado B "Shame".

Vale lembrar que no início da década de 90, a sonoridade "gótica" já era considerada "datada", principalmente pelos grandes selos. O grunge e a acid-house ganhavam espaço, eram as novidades do momento. Logo, possivelmente pressionado por já estar inserido no mercado "mainstream", o grupo se viu "forçado" a mudar gradativamente a sua proposta estética, tornando-se menos "dark", mais comercial e abraçando elementos da emergente cena dance e acid-house da época.
Três álbuns foram lançados com essas "experimentações": "Phoenix" (1991) - o ultimo com Pieter, Anka e também na Wing Records - "Metamorphosis" (1992) e "Headclouds" (1993). De fato, são álbuns destoantes na carreira do Xymox. Parece outra banda, até o visual está totalmente diferente (chega a ser vergonhoso e forçado em alguns momentos). Apesar de esparsos bons momentos, se a intenção é conhecer um ícone da darkwave, fuja! Somente para colecionadores e curiosos.



Após muitos anos, passei a ouvir com mais disposição esses trabalhos, enxergando qualidades. Phoenix (1991), por exemplo. Com algumas adaptações, certas faixas até caberiam em trabalhos anteriores (Wonderland já estava presente nas primeiras demos, aliás). Mas independente disso, sem fazer comparações e avaliando apenas a nova proposta, é um bom álbum. Também achei interessante a maior participação de Anka nesse disco, cantando três faixas. Talvez tenha sido uma imposição da gravadora após o grande sucesso de Imagination. Meus destaques: The Shore Down Under, Believe Me Sometimes, Wonderland, Written In The Stars, Crossing The Water (ultima composição do Pieter para o CoX) e Smile Like Heaven

É importante destacar que nesse período a formação original já estava se desgastando, fato que muitos atribuem como determinante para uma progressiva queda de criatividade e qualidade. Ronny, obviamente, rechaça essas observações, insinuando que é apenas saudosismo e também que ele era o único ou o maior responsável pelo som do Xymox. Mas não é difícil encontrar comentários de Pieter no YouTube, dizendo que ele era o compositor da maior parte das músicas e que Ronny as vezes "boicotava" os demais. O fato é que essas falas mostram que a saída de Pieter e Anke não foram nada amigáveis. Para mim, o segredo do melhor Xymox era Ronny, Pieter e Anke trabalhando juntos. Havia uma sinergia única entre os três. 

***


Vídeo de Spiritual High, do álbum Headclouds, com a participação da ainda desconhecida Mojca.





Ronny e Mojca - o casal gótico entra em cena.


Mojca Zugna, esposa de Ronny, entra para a banda nesse meio tempo de indefinições e a partir de então, os dois passam a ser os únicos membros fixos de constantes formações que viriam a seguir.



Em 1997, afastam-se do mainstream e retornam ao "dark" com "Hidden Faces". O nome é inspirado no romance de Salvador Dalí. O tom das letras é de decepção e descontentamento e algumas faixas parecem fazer referência - sempre em tom negativo - ao período "comercial" do grupo. É um disco variado, que começa a definir uma nova sonoridade para o grupo. A partir desse lançamento, assumem-se como góticos e tornam-se headliners dos principais festivais do gênero, como a Wave Gotik Treffen e o Zillo. Destaque para "This World", "Out of Rain", a oriunda do primeiro EP e repaginada "Going Round 97", o quase ethereal "November", o synthpop de "It's All A Lie" e "Hypocrite", a única faixa escrita por Mojca.




Em 1999, lançam "Creatures", agora com uma sonoridade totalmente gothic rock. O vocal de Ronny parece mais "cavernoso" do que nunca. Definitivamente o CoX era uma banda gótica produzindo música para góticos. E muitos góticos que já adoravam o Xymox da fase 4AD - mas passaram um bom tempo desiludidos devido a fase pop/dance - incluíram de vez o grupo em sua lista de favoritos. Nesse mesmo ano, fizeram show memorável no Brasil (tocaram aqui também em 2006, 2012, 2016 e 2019). A poesia romântica e existencial predomina nas letras. Destaque para a aula de Gothic Rock em "Jasmine and Rose" e "Crucified", as lentas e envolventes "Consolation" e "Creature", a doce "Falling Down" e o fantasmagórico tema instrumental "Without A Name" (com programação de Adrian Hates do Diary of Dreams).





Anúncio do primeiro show do Clan no Brasil, em 1999 (Folha de S.Paulo):


Abordando temas como a inocência do amor e a inevitabilidade das desilusões, "Notes from the Underground" (2001) é um disco variado: apresenta as sobras do gothic rock do álbum anterior ("I Want You Now"), flerta com o rock industrial ("Innocent") e começa a explorar o electro goth que caracterizaria as produções posteriores da banda ("The Same Dream" - com os belos vocais de apoio de Sonja Rozenblum). As músicas percorrem um labirinto musical, cheias de ruídos e mudanças de ritmos (um bom exemplo é "The Bitter Sweet"). Também destaco o post punk de "Something Wrong" (com a melhor introdução da discografia da banda, na minha opinião) e a deliciosamente depressiva "Internal Darkness" 



Na sequência, temos o lançamento de "Farewell" (2003). Aqui, o grupo consolida sua nova sonoridade, o chamado electro goth (Dark Electro-Goth, segundo o próprio Ronny).
O som está mais eletrônico, rápido e pesado. A nova proposta afasta os saudosos do Xymox inicial mas conquista novos fãs. As guitarras ainda estão presentes, permeando o clima épico-sombrio do disco. As letras dissertam sobre tristezas, rompimentos e despedidas (o nome do disco e as temáticas, geraram alguns boatos de que seria o último álbum do grupo). Destaque para o primor electro goth da sequência inicial, com "
Farewell", "Cold Damp Day" e "There's No Tomorrow", a levada pop gótica de "Into Extremes", a enérgica "Courageous" e a existencialista "Skindeep".




Turnê do Farewell em São Paulo, no festival Thorns Gothic Rave, em 2006:



"Breaking Point" (2006) é a continuação natural do álbum anterior, com poucas diferenças. Um pouco mais introspectivo, as guitarras aparecem cada vez menos e nota-se uma atmosfera mais leve. A verdade é que a relevância do CoX estava cada vez menor. Destaque para a faixa de abertura "Weak In My Knees", a desesperada crítica a cena gótica em "Calling You Out", a reflexiva "We Never Learn", a faixa instrumental "Pandora Box" e a oitentista "What's Going On".




Após algum tempo longe dos holofotes, a banda retorna com  "In Love We Trust" (2009). O disco é bem produzido e traz alguma modernidade ao electro goth do grupo. Destaque para a candidata a novo hit "Emily", as inspiradíssimas "In Love We Trust""Home Sweet Home", a melancólica "Morning Glow" e a dançante "Desdemona". Provavelmente o melhor disco dessa fase mais eletrônica.





"Darkest Hour"
(2011) mantém a boa produção do álbum anterior, mas aprofunda-se em climas densos e obscuros. Contém faixas com uma nostálgica atmosfera dark como "My Reality"e "In Your Arms Again" (aliás, temos outra introdução de destaque aqui também). Como de costume, esse disco mescla faixas mais agitadas, como "Delete", e outras mais lentas, como "Dream of Fools". Por fim, tenta resgatar as habituais faixas instrumentais com a faixa-título "Darkest Hour".








Em 2014, lançaram Matters of Mind, Body and Soul. Esse disco inova em relação aos últimos lançamentos. Aqui, arrisco dizer que houve mais uma mudança na sonoridade do grupo. O foco não é mais o electro goth, mas sim o synthpop. Os sintetizadores dominam. Os ritmos estão mais lentos, atmosféricos e exalam romantismo, sem perder a pegada dançante. Muitos estranharam esse registro, acusando-o de ser "arrastado" e "maçante" (a introdução de 7 minutos colabora para essa impressão). Requer um certo tempo para ser digerido. O curioso é que esse álbum foi pouco explorado até mesmo pela banda em seus shows. Destaques: She Is Falling in LoveHand in Glove, Love's on Diet, Months Ago e Kiss and Tell.


Em 2017, saiu o álbum Days of Black. Assim como o registro anterior, as camadas de sintetizadores continuam presentes, mas esse disco parece que tenta soar um pouco mais "pista". Ronny parece se esforçar para captar as influências mais sofisticadas da música gótica atual, ainda que muitas vezes falhe ou soe excessivamente artificial ou brega (essa capa que o diga!). Destaques: Loneliness, Set You Free, What Goes Around, Loud and Clear e Your Kiss.


Em suma, Clan of Xymox é uma banda singular que passeou com desenvoltura por quase todos estilos relacionados ao gótico. A combinação das batidas eletrônicas com guitarras e vocais melancólicos se tornou um cult nos anos 80, essencial pra entender o clima daqueles anos. O ressurgimento no final dos anos 90, agora totalmente imersos na subcultura gótica, os colocou como um dos grandes nomes da darkwave mundial. Goste mais de uma fase ou de outra, é inegável perceber a qualidade e o potencial de algumas canções.

Como a discografia é extensa e nossa intenção é fazer um apanhado geral com o essencial do gótico, selecionamos os dois primeiros álbuns - que consideramos obrigatórios - além de uma coletânea. Apesar de existir um "Best Of" oficial do grupo, fizemos nossa própria seleção, um pouco maior e com um apanhado geral da carreira (nossa coletânea vai até 2012).


Matéria: Guilherme Freon

Fontes:
4AD - Site
Clan of Xymox - Site
Unhur - Site
Arquivo Pessoal Freon



ÁLBUNS DISPONÍVEIS:







Um comentário:

  1. Bandaça, e realmente se importam com os fãs brasileiros.
    Sinto um incômodo as vezes por terem saído daquele atmosfera mais introspectiva dos anos 80... Os lançamentos dos anos 90( com exceção dos pós-punks e darkwave) e quase todos depois dos anos 2000 soam muito Pop, muito... Pouco gótico, infelizmente, mas a discografia é incrível!!

    ResponderExcluir